Critica | Relatos Salvajes (Relatos Selvagens) — 2014

Cinema Show
4 min readApr 26, 2022

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Relatos Salvajes (2014). Direção de Damián Szifron. Argentina. 122 minutos.

Após assistir três vezes em menos de um mês, só posso dizer o quanto Relatos Salvajes (Relatos Selvagens, no Brasil) é prazeroso, divertido e fantástico. Um dos melhores filmes de 2014, que foi um ano com ótimos longas. E arrisco dizer que, depois de todo esse tempo, é um dos melhores da década.

O filme consegue expor muito bem sua proposta desde o início, contar histórias absurdas com pessoas comuns. Aqui, temos seis relatos que dividem o filme e cada um deles é contado de maneira isolada. Porém, há uma coisa em comum entre as narrativas, cada indivíduo é levado ao seu extremo e assim, cabe ao espectador acompanhar as atitudes nada previsíveis destas pessoas perante a diversas situações. Dessa maneira, temos narrativas brilhantes que conseguem fazer críticas a sociedade e reflexões quanto a vida real e expõe um verdadeiro brilho em todos âmbitos dessa produção memorável.

Pasternak, é o segmento que dá início ao longa, antes mesmo dos créditos iniciais. Uma conversa entre uma modelo e um crítico musical dentro de um avião se transforma num verdadeiro pesadelo após descobrirem que os dois possuem conhecidos em comum. Uma narrativa que transborda humor negro e um desenvolvimento rápido nos diálogos que são brilhantes pois, com apenas um minuto é possível desenvolver conexão com os personagens. Uma abertura que esbanja criatividade e originalidade.

A segunda história apresenta uma narrativa ágil e com linhas de diálogo muito relevantes. Las Ratas, é um segmento com uma proposta de vingança surpreendente dentro do aglomerado de histórias. Num restaurante deserto, uma garçonete se espanta com o fato de seu único cliente ser o homem responsável pelos seus traumas familiares. Quem rouba a cena aqui é com certeza a cozinheira do restaurante que divide a tela com a jovem, ela é esperta e corajosa e fundamental para o desenrolar da história.

Com muito humor, tragédia e coincidências, El más fuerte nos leva a acompanhar a intensa história de dois homens numa estrada. É engraçado, bárbaro e bastante tenso. Os arcos levam ao espectador ao limite da inquietude, pois não há como saber o que irá acontecer aqui. Dessa forma, a constante aflição em poucos minutos de rodagem só pode ser degustada com uma produção desse nível de qualidade. Em tão pouco tempo é possível perceber o esmero com as cenas e a realidade com que a situação é encarada.

Bombita, terceiro relato do longa que conta com Ricardo Dárin no elenco, grande ator argentino que merece destaque com sua atuação aqui, ele interpreta um engenheiro que começa a sofrer com diversas injustiças que o leva ao limite. Assim, ele enfrenta tudo isso de maneira surpreendente. Com ótimas decisões criativas, uma direção que utiliza muito bem os enquadramentos fechados para realçar a indignação do protagonista perante as situações vividas, conseguindo assim aproximar o espectador com a história que está sendo estabelecida e também com os diálogos. Um dos meus segmentos favoritos dentro do filme. Bombita é excepcional.

Em La Propuesta, a corrupção policial e os absurdos do país são expostos de maneira muito séria. Esta história é a narrativa mais séria do longa em todos os sentidos da palavra. Adota uma direção muito direta e um diálogo bastante expositivo, acredito que para evidenciar ainda mais a crítica que este segmento nos apresenta. A história conta uma tragédia causada por um garoto de família rica e os caminhos que essa família adota para tentar livrar o menino de uma punição. Diferente dos outros segmentos, há um desenvolvimento mais simples aqui, porém não deixa de ser surpreendente ao nos mostrar um final inesperado e que abre muitas portas para discussões.

É incrível o fato de Relatos Salvajes impressiona o espectador do começo ao fim. Não há defeitos neste aglomerado de relatos absurdos que expõem muita das vezes, a natureza violenta dos seres humanos quando levados ao limite. Por isso é fundamental destacar a história final do longa que finaliza de forma extremamente satisfatória, grandiosa, divertida e extremamente inteligente. Hasta que la muerte nos separe, segmento que conta a história de um casamento que se transforma em um pesadelo após uma descoberta. É necessário destacar a atuação de Érica Rivas que entrega um ótimo trabalho e é fundamental para a grandiosidade dessa narrativa, seu cinismo e inteligência deixa tudo melhor dentro da história, que por si só já consegue atrair a atenção do espectador por ser totalmente imprevisível. Este segmento definitivamente encerra com chave de ouro esse trabalho memorável dentro do cinema argentino.

Relatos Salvajes é ótimo, engraçado, violento e necessário. Não há nada aqui que não seja brilhante. A obra acerta em cheio quando faz críticas a sociedade argentina e traz discussões muito pertinentes. Um filme que merece ser visto e comentado por muito tempo.

NOTA: 10/10

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